Acordou com o som estridente do telefone. Do outro lado da linha, alguém queria falar com o gerente do estabelecimento. Murmurou que era engano, desligou e regressou ao leito ainda quente. Retomou o sono onde o havia deixado e sonhou que tinha uma loja de música onde todas as tardes os instrumentos, sozinhos, tocavam melodias extraordinárias.
Pequenas histórias (microcontos ou micro contos, como preferirem) em que fica sempre algo por contar.
Fica a cargo de cada um acrescentar o que bem entender. www.facebook.com/microcontos
domingo, 30 de outubro de 2011
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
A consulta
Bilhete de ida
Voltava sempre aos sítios onde tinha sido infeliz. Bastava chegarem as primeiras chuvas e lá se punha ela a caminho. Sem saber como, embarcava sempre no mesmo comboio e chegava sempre ao mesmo destino. Naquele dia de procela, esqueceu-se de comprar o bilhete e foi o melhor Inverno que passou. Tirou bastantes fotografias para se poder lembrar de como era a felicidade em dias de tempestade.
Alzira
Guardava os olhos em duas covas profundas cavadas no rosto. Num outro buraco escuro, escondia um coração negro e pesado. Os seus passos eram como um permanente caminhar pelo corredor da morte. Arrastava os pés, sulcando no chão regos onde semeava sementes de solidão de onde viriam a brotar tristeza. Chama-se Alzira, mas quase todos a chamavam velha cigana. Apesar de todo o amor que tinha para dar, todos a rechaçaram e ninguém a amou como merecia.
Encontro
Amava-a mas achava-se demasiado fraco para a interpelar. Viveu momentos de frenesim e desalento. Pensava que nunca conseguiria amar mais ninguém e para sempre estaria condenado a ser um anacoreta. Alguém lhe disse que a sua amada fora viver para a cidade. Uma força interior desconhecida fê-lo ir procura-la. Não a encontrou. Perdeu-se nas labirínticas ruas da metrópole. Foi encontrado anos mais tarde nos braços de uma mulher lindíssima, rodeado de crianças louras.
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Sabores
Eram os dias dos cigarros fumados às escondidas. Paixões assolapadas e amores não correspondidos, vertidos em cadernos de argolas. Noites perdidas sem dar pela sua falta. Os dias eram felizes mas eles não o sabiam. Deslizavam pela vida como por um corredor sem fim. Na sofreguidão de chegar cada vez mais longe, só saborearam a verdadeira essência da vida, no dia em que se cruzaram pela primeira vez e não tiveram vontade de se abraçar.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Segurança
Toda a vida ansiou por segurança. Casou com um polícia que a prendeu para sempre a uma casa feita de sombras frias e fantasmas assustados. Na primeira vez que regressou à vila onde cresceu, já sem os grilhões que a prendiam ao marido, chorou lágrimas grossas que regaram o roseiral da casa da sua mãe.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Baile
Agarrados um ao outro, num vórtice de paixão, varreram o salão de ponta a ponta. No pequeno palanque, os músicos não davam tréguas aos instrumentos. Encostados à parede, no escuro, homens e mulheres ingeriam bebidas feitas de inveja e desdém. Quando a música parou, o casal continuou a dançar até sair do prédio. Nunca mais ninguém os viu.
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
terça-feira, 11 de outubro de 2011
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Frequência cardíaca
Quando se encontraram pela primeira vez, teve medo que ele lhe partisse o coração. Só descansou quando soube que ele era cardiologista.
sábado, 8 de outubro de 2011
Colecção
Desde pequeno que as despedidas eram punhais que cortavam os pulsos. Fez-se forte e lentamente foi guardando na mala as memórias que tinha daquele lugar. Todos os pedaços de vida que achou relevantes foram cuidadosamente acondicionados. Saiu de casa e caminhou pelo mundo em busca de novos sonhos. Com o passar dos dias, a velha mala estava cada vez mais leve. Isso fê-lo sentir feliz. Havia finalmente espaço para guardar novas recordações.
Histórias
Toda a gente conhecia o velho Emídio. Carregava sacas cheias de livros de feira em feira. Derramava-os no chão e apregoava histórias belíssimas, novelas e romances deleitosos, a emoção ao virar de cada página. Uma rapariga aproximou-se e perguntou se ele lhe podia aconselhar um livro. Queria uma história arrebatadora que lhe apressasse o coração. O velho disse-lhe baixinho: A menina quer uma história comovente? Então aqui tem uma: Não sei ler nenhum destes livros.
domingo, 2 de outubro de 2011
Frutos
O anel pesava, sufocava e apertava-lhe o pescoço como a corda de uma forca. Os anos sucederam-se e apenas deixaram frutos estiolados e azedos. Decidiu que nessa noite seria escrita a última página da tragédia. Mas ele não veio dormir a casa. Os dias passaram sem notícias dele. A polícia fez poucas perguntas e nunca mais voltou. As pessoas começaram a soltar calúnias. Ela não se importou. Vestiu-se de negro, enterrou o anel no quintal e saboreou as laranjas, agora, doces como o mel.
sábado, 1 de outubro de 2011
Perdão
Com passos lentos e inseguros, aproximou-se das paredes altas e escuras da velha fábrica. Fustigada por uma enxurrada de memórias, lembrou-se de como deixara ali parte da vida, sem ter recebido nada em troca. Recordou os dias em que senhores apareciam com palavras caras e muito bem vestidos e dos trabalhadores que serenavam e prosseguiam a inópia. Passados tantos anos, conseguiu finalmente perdoar aquele lugar e ser realmente livre.
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